Mulheres apaixonadas mas guerreiras, livres mas leais, sensuais mas amorosas, decididas mas carinhosas.
Parecemos de ferro, mas nosso coração é meigo.
Quando amamos, nos entregamos incondicionalmente e livremente ao AMADO.
Somos a Corsa, a Esposa, a Amiga, a Irmã. Somos tudo para o Amado sem sermos dele.


Mulheres do Fogo são...
Mulheres, Filhas da Divina Feminilidade!

23 de abr. de 2010

História de um resgate

por  Sóror Joan Claire, osc. (Liziane Caminho)

A história que vou contar começou há 13 anos, em Londrina, mais exatamente dia 29 de maio de 1997. Faltava pouco menos de um mês para eu completar meu 19º aniversário.

Eu vinha descendo a Alameda Miguel Blasi, no sentido da Catedral para as Lojas Americanas. Eram perto das 11 horas da manhã, a Alameda cheia de gente. No meio da quadra meus olhos fixaram-se – não sei o porquê – em um casal que estava à porta do Restaurante Rodeio: uma jovem mulher muito bem vestida, cabelos negros longos, e um sujeito gordo, barbudo e descabelado. Parecia que estavam saindo do restaurante. O fato é que meus olhos se fixaram no casal enquanto eu caminhava devagar, e então a mulher me viu e seu olhar fixou-se no meu. Aquele olhar – nunca mais o esqueci – me incomodou! parecia que ela estava olhando dentro de mim, na minha alma! Eu não consegui desviar meu olhar do dela. Segui o passo, passei pelo casal, e sentia a mulher me olhando mesmo estando já de costas para eles.

Um ou dois minutos depois, mal eu atravessei a Rua João Cândido, quase em frente à Loja Riachuelo, ouvi uma voz que chamava : “Moça! espere!” e então senti me tocarem no ombro. Parei e levei um susto: era ela, aquela mulher de olhar penetrante.

Ela olhou bem nos meus olhos, me entregou um cartão e disse: “Se você quiser mudar de caminho, telefone para mim a qualquer hora; ligue a cobrar. Basta dizer que é a moça da Miguel Blasi”. E tendo dito isso, virou as costas e rapidamente desapareceu no meio das pessoas.  Olhei o cartão, apenas dizia: Rosangela Caminho, e um número de telefone. Não sei porque, guardei o cartão no bolso da minha calça jeans.

Quem eu era? uma menina de 18 anos, prostituída desde os 16, violentada pelo padrasto, escrava de um cafetão violento. Vez ou outra eu cheirava pó, porque minha vida era muito complicada. Naquele dia eu estava muito triste. Eu havia feito um programa com dois rapazes na noite anterior, e acabei cheirando muito, dormi e quando acordei estava jogada em uma espelunca no centro de Londrina, sem dinheiro! Os rapazes caíram fora e não pagaram! Mas o meu cafetão estava esperando a grana… Eu sabia que ia apanhar, e muito! não sabia o que dizer a ele. Eu estava justamente indo ao encontro dele quando se deu o episódio com a mulher de olhar penetrante.

Claro que levei uma surra; ele sabia bater sem deixar marcas; era um militar aposentado, provavelmente um torturador da ditadura… Ele me mandou para a rua dizendo que, até meia-noite, eu deveria trazer a “grana perdida” e mais a “grana do dia”.

Fiquei desesperada! Eu estava mal, sentia as dores da surra, não havia comido nada desde a véspera, estava suja, e com ressaca do pó misturado com cerveja.  Eu não tinha como conseguir o dinheiro. Estava apavorada. Passei pelo hotelzinho onde eu morava, com mais duas meninas no mesmo quarto; tomei um banho, peguei minhas coisas (uma sacola com uma saia, outra calça, algumas calcinhas e dois sutiãs, três camisetas e o casaco). Achei dinheiro de uma das meninas, peguei, coloquei no bolso da calça jeans, e pensava em cair fora de Londrina, talvez se eu fosse para Maringá… depois eu devolveria o dinheiro da menina, e se fosse o caso traria o dinheiro dele. O que eu não podia era ficar em Londrina. Eram quase seis da tarde, eu fui para a Rodoviária. O último ônibus direto para Maringá já tinha saído. Havia um parador, mas perto das oito da noite. Pedi a passagem e quando peguei o dinheiro no bolso, veio junto o cartão que aquela mulher me havia dado.

Fiquei olhando aquele cartão. Tomei consciência que o dinheiro daria para a passagem e um lanche vagabundo, e eu não teria nenhuma grana quando chegasse a Maringá, onde não conhecia ninguém. Lembrei do que a mulher havia dito ao me dar o cartão: “Se você quiser mudar de caminho, telefone para mim a qualquer hora; ligue a cobrar. Basta dizer que é a moça da Miguel Blasi”. Talvez ela fosse uma cafetina dessas que têm uma clientela selecionada… ela poderia me devolver ao meu dono. Mas aquele olhar me inspirou uma certa confiança. Eu queria acreditar que ela poderia me ajudar.

Cancelei a compra da passagem, fui a um orelhão e liguei para aquele número. Era de um celular; liguei a cobrar. Ela atendeu rapidamente e eu falei que era a moça da Miguel Blasi e estava na Rodoviária. Ela perguntou se eu conhecia Londrina, e me deu um endereço. Não era longe! Ela também disse que eu poderia pegar um taxi que ela pagaria.

Logo me dei conta que o endereço era em um dos bairros nobres de Londrina. Peguei um ônibus! não ia começar um trabalho novo já devendo para a dona! Em pouco mais de meia-hora, cheguei, ela estava no jardim do edifício, me esperando. O mesmo olhar, mas uma voz suave e um gesto carinhoso. Abraçou-me, pegou a sacola da minha mão e disse: “Seja bem vinda. Aqui é a minha casa, será tua também por algum tempo!”, e perguntou meu nome, dizendo o dela: Rosângela. Pensei que era um prédio muito chique para ter um “casa” funcionando ali, mas como eu não conhecia o mudo dos ricaços, simplesmente segui com Rosângela, entrei no elevador e chegamos ao 10º andar, um apartamento enorme! Uma vista para o Lago Igapó, o Iate Clube ali perto…  eu nem sabia como me comportar naquele apartamento, de tão chique que era! 

Havia uma  senhora idosa sentada em uma cadeira de balanço. Rosangela me apresentou: “Mamãe, esta é Liziane, e vai morar conosco algum tempo!”. A velhinha sorriu, apenas disse que eu era bem-vinda e notei um forte sotaque nordestino nela. Rosangela emendou: “Mamãe e eu somos cearenses, mas eu cheguei por aqui ainda muito criança e assim não tenho sotaque!”.

Em seguida me levou pelo corredor e mostrou um quarto. Era uma suíte!!! eu nunca tinha visto uma suíte! Ela disse: “Liziane, aqui é teu quarto. Fique a vontade. Há algumas roupas no guarda-roupa, amanhã vamos provar e ver o que fica bem em ti”. Eu pensei, “bem , pelo menos a coisa aqui é organizada e a gente tem roupas boas para atender os clientes”…

Tomei um banho daqueles, fazia mais de ano que eu não sabia o que era um banheiro decente. Olhei o guarda-roupa, fiquei espantada com o que vi… coisa fina… “virei puta de luxo”, pensei. De repente, a Rosângela bate na porta, pede licença, entra, e traz uma bandeja com comida. Disse que já havia jantado e era folga da cozinheira, então ela fez alguma coisa para eu comer. Disse que eu poderia deixar a bandeja por ali mesmo, que tentasse dormir bem e que pela manhã conversaríamos. Dormi preocupada; meu cafetão devia estar me procurando… mas a Rosângela não tinha cara de quem iria dedo-durar…

No dia seguinte, levantei cedo, achei melhor vestir alguma coisa do guarda-roupa, encontrei um vestido que serviu. Ouvi barulho de gente andando no apartamento e então sai do quarto. Na sala, Rosângela e sua mãe tomavam café, me ofereceram uma cadeira. Tomamos café, Rosângela apenas me olhava com aqueles olhos penetrantes.

Então, ela disse: “Não se preocupe! Você tem uma chance de mudar de rumo….” e a partir dai foi uma conversa que me emocionou… Ela falou-me da Feminilidade, do Amor, de Deus e de Jesus Cristo. Combinamos que todos os dias, por volta das sete e meia da manhã, já teríamos tomado o desjejum e sairíamos a caminhar ao redor do lago, e conversaríamos. Na parte da tarde ela tinha compromissos, e eu poderia fazer o que quisesse…

Para encurtar a história, vivi na casa de Rosangela por quase dois anos, como uma irmã mais nova, sendo tratada com carinho por ela e pela mãe dela. Aprendi muitas coisas! Comecei a freqüentar a Igreja que ela ia… fui descobrindo Deus, e Sua presença em minha vida, e ouvi Chamado que me era feito…

Quando Dona Sinhá, assim a gente chamava a mãe dela, faleceu, eu estava ao lado de Rosângela. Menos de seis meses depois, ela foi embora para a Europa, fazer seu Doutorado. Graças a ela consegui fazer o curso de Ciências Sociais na UEL, e fiz o Mestrado em Antropologia em São Paulo. Rosângela providenciou-me uma mesada muito boa. Depois comecei a lecionar em um colégio, logo depois fui trabalhar em uma ONG internacional…  voltei a ter contato com minha família no Rio Grande do Sul e cheguei a mandar dinheiro para eles. Rosângela nunca mais voltou da Europa. Concluiu seu doutorado na Alemanha, casou-se e ficou viúva um ano depois do casamento. Decidiu ser freira. Adotou o nome de Sóror Joan de Whitby. Depois de três anos de sua profissão de votos perpétuos, contraiu um câncer e faleceu. Eu estava ao lado dela, no convento em Oxford; ela havia me chamado para ajudar a cuidar dela. Um dia conto a história dela para vocês.

Após o sepultamento de Rosângela, lá mesmo, voltei ao Brasil, encaminhei algumas coisas da minha família, e voltei para a Inglaterra, entrei para o noviciado e hoje estou aqui. Adotei o nome de Joan em homenagem a ela.  Como ela, assino meu nome secular “Caminho”. Não é meu nome de família, nem era o dela. Mas compreendi então o que ela me disse no primeiro dia que nos encontramos: “Se você quiser mudar de caminho…”

Rosangela nunca me cobrou absolutamente nada pelo que fez por mim. Quando eu perguntava porque fazia isso comigo, ela me acariciava os cabelos e dizia, “Porque Deus mandou!”. Assim, conheci – aos 19 anos – a gratuidade do amor de Deus, gratuidade que até hoje é uma realidade em minha vida! Os amigos de Rosângela, inclusive aquele senhor gordo, barbudo e descabelado, chamavam ela por um outro nome: Red River, Rio Vermelho… O senhor gordo, barbudo e descabelado é um sacerdote na Igreja de Cristo, e com Rosângela, mostrou-me o Evangelho e os Mistérios de Deus, e – assim como ela me falou da Feminilidade – ele me falou sobre a Masculinidade… hoje eu o chamo de Maninho… e quando penso em Rô, digo que ela é minha irmã mais velha.

Minha vida foi resgatada pelo Sangue Precioso do Senhor Jesus Cristo, mas o instrumento da Graça foi um Rio Vermelho que um dia encontrei em meu Caminho…

Deus seja louvado!

 

Nota de Daniella: pedi que a Irmã Joan Claire publicasse essa história em meu blogue e fico honrada por ela ter atendido. Na verdade, um dia contarei, o resgate de Liziane foi a ponte para o meu… A menina de quem ela pegou o dinheiro para fugir para Maringá era eu! Menos de um ano depois daquele dia, Liziane me fez cruzar com o Rio Vermelho… (só que até hoje ela não me devolveu o dinheiro! rsrsrsrs mas me deu um novo Caminho!!!)

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9 de abr. de 2010

O Cisne Negro – versão masculina

(a postagem anterior – abaixo desta – traz  a versão feminina da lenda; vale a pena lê-la antes desta)

A versão masculina  da lenda do Cisne Negro segue a mesma narrativa em parte, mas é contada a partir do ponto de vista de Cewdwin, jovem ferreiro cuja forja fica às margens de um riacho na região hoje conhecida como Llanhennock, no País de Gales. Ele está comprometido, desde a infância, com Eilan – uma jovem que vive na aldeia próxima ao riacho.

Cewdwin está contente. Saiu muito cedo, ao canto do galo, para entregar a encomenda de espadas e pontas de lança na Grande Aldeia, depois de três meses de trabalho intenso. O pagamento que vai receber é suficiente para que ele possa construir a cabana onde pretende viver com Eilan e criar seus filhos e filhas.

Para aproveitar o frescor da manhã e não exigir demais das duas mulas que levam a carga, Cewdwin opta em seguir o caminho paralelo ao riacho, que embora seja mais longo, evita transpor a serra atrás da qual está a aldeia grande. Ele caminha ao lado das mulas, tocando sua pequena flauta enquanto imagina como vai dividir o espaço da cabana de forma que Eilan possa ter a cozinha e também o lugar onde guardar as ervas e preparar suas medicinas.

O sol estava bem alto, mas não ainda no meio do dia, quando ele chega na Grande Aldeia. Rapidamente faz a entrega da mercadoria e recebe o pagamento. A Dama e o Rei lhe dão mais do que o combinado, pois a encomenda foi entregue antes do prazo estipulado.  De posse do dinheiro, Cewdwin vai à taverna para uma refeição e depois procura um oleiro para encomendar os tijolos com os quais vai construir sua cabana.

Sem perder mais tempo, ele coloca uma primeira leva de tijolos no lombo das mulas e  parte fazendo o mesmo caminho de volta. Se tudo correr bem, ele estará na aldeia a tempo de encontrar-se com Eilan que, como sempre, estaria caminhando à beira do riacho nas proximidades da forja.

Então ele viu o cisne negro, subindo rapidamente o riacho, ultrapassando em relativa velocidade. Os olhos vermelhos do cisne fixaram-se em Cewdwin por um instante, e Cewdwin não gostou do olhar; havia algo assustador e cruel. Ele lembrou-se das estórias que sua mãe contava para suas irmãs, que tivessem cuidado com um cisne negro que às vezes surgia no riacho. Ele temeu por Eilan; fustigou as mulas para apressarem o passo, mas mesmo assim o cisne já ia longe à sua frente.

Cewdwin estava chegando à forja quando viu Eilan montando no Cisne.Chamou-a em altos brados, mas misteriosamente um vento forte soprou em sentido contrário, de forma que sua voz não chegou até ela. Cewdwin bem sabia quem era o Cisne! Saiu correndo atrás pela margem, mas o Cisne nadava rápido e de repente desapareceu.

Cewdwin correu ao Druida da aldeia, desesperado. Contou ao Druida o que viu. O Druida tocou seu tambor convocando os outros. A Grande Wowyn da Aldeia também veio.

_"Meu filho”, diz a sacerdotisa, “Eilan está nas mãos do Cisne Negro! Agora nada poderemos fazer, mas lembra-te de todos os dias ir à beira do riacho, quando as estrelas começam a surgir no céu, e fala do teu amor às águas. Só a força do teu amor poderá libertá-la! Enquanto isso, o Rei da Guerra organiza a força de guerreiros para que possam passar pelo Portal e buscar tua amada!"

Cedwin ficou desolado. “Então tudo que poderia fazer era falar de seu amor às águas do riacho? Não pode ser, pensou, deve haver algo que possa ser feito. Que é esse Portal mencionado pelo Druida?

Cewdwin estava triste principalmente porque compreendeu que Eilan caiu facilmente na tentação do cisne; ele pensava que o amor seria mais forte que os desejos de grandeza e afirmação existentes, desde cedo, no coração de Eilan. Mas seu amor recusava-se a deixá-la com o cisne.

Naquela noite, o Druida chamou Cewdwin.

_ “Meu irmão, há algo que podes fazer, se queres correr o risco de enfrentar as fúrias que se ocultam nas brumas junto à nascente do riacho. Quando a sacerdotisa se referiu a falares do teu amor às águas, não significa ficares apalermado diante do riacho declamando versos de dor. Deves armar-te bem e entrar nas águas, seguir o riacho até a nascente, e lá, em meio às brumas da desolação, proclamar em alta voz o teu amor.

_ “Logo pela manhã vestirei minhas roupas de guerra, pegarei minha espada e irei em busca desse cisne

_ “Não, meu filho! tens de fortalecer-te muito antes; além disso ela levará algum tempo para perceber que foi enganada. Prepara-te e espera o tempo certo”.

E assim Cewdwin passou os dias entre a forja e os exercícios militares ajudado por seus amigos.

Então, na noite da Lua de Cornos, o Druida lhe avisou que era chagada a hora de ir em busca de sua amada. Antes do sol nascer, Cewdwin entrou no barco e subiu o rio até as brumas. Penetrou nas brumas sem receio, e então, com voz alta e forte, declarou seu amor por Eilan.

Seres grosseiros surgiram do meio da névoa, e o atacaram, mas Cewdwin conseguiu facilmente derrotá-los. Eilan, no fundo da caverna, ouviu a voz de Cewdwin. Mesmo enfraquecida pelo sofrimento, ela conseguiu caminhar entre as pedras e foi em direção da voz. Quando ela estava já bem próxima à margem onde Cewdwin declamava seu amor, o Cisne Negro surgiu e agitou as águas.

Cewdwin lembrou-se que o Druida lhe dissera para não atacar o Cisne, mas para ignorá-lo.  Tratou de estender a mão para Eilan, puxou-a para o barco e com toda sua força, ajudado pela corrente rio abaixo, remou de forma a afastar-se rapidamente dali até romper as brumas e ser iluminado pelo sol da primavera.

Nesse momento Cewdwin reparou no triste estado em que estava Eilan. Abraçou-a com todo carinho, limpou seu rosto, cobriu seu corpo nu com a capa e continuou cantando seu amor por ela. Ao chegarem à aldeia, o Druida e a Sacerdotisa estavam esperando e, depois de cuidarem de Eilan, ministraram a bênção do amor aos dois.

Na noite da Lua Cheia, noite da fertilidade e do amor, Eilan acolhe Cewdwin em seu Círculo…